Duas equipes. A expedição contou com membros brasileiros e estrangeiros e
apoio estratégico em algumas cidades. A segurança do ex-presidente era a
principal preocupação dos dois governos que tinham receio pelo percurso.
Theodore Roosevelt, conhecido como Teddy, tinha acabado de perder sua reeleição nos Estados Unidos após dois mandatos consecutivos, quando foi convidado a fazer conferências no Chile. Conhecido como um aventureiro, o ex-presidente aproveitou a vinda à América do Sul e propôs ao Museu Americano de História Natural uma expedição cientifica para recolher exemplares da fauna brasileira.
- O Brasil tinha acabado de montar uma embaixada nos EUA e viu na vinda de Roosevelt uma grande oportunidade política para aproximar os países e, em troca, o ex-presidente seria reconhecido como um explorador cientifico - afirma o pesquisador Pedro Libânio, especialista nesta expedição pela UniRio.
O nome de Cândido Rondon - na época coronel responsável pelo projeto de integração nacional através da implantação de linhas telegráficas - foi logo lembrado pelo embaixador brasileiro nos EUA, Lauro Muller, que tinha sido seu colega de classe na Escola Militar. A sugestão foi feita a Roosevelt, que prontamente concordou.
- Só esqueceram de combinar com o próprio Rondon, que respondeu dizendo que não era guia turístico e que era melhor procurar outro. Depois o coronel impôs uma condição: iria se fosse com uma finalidade cientifica - explica Mário César Cabral Marques, autor do livro “Rio da Dúvida - O centenário de uma epopeia”.
Itinerário contrariava os governos
Rondon apresentou cinco alternativas de itinerários para a expedição. A escolha de Roosevelt foi exatamente pelo que mais contrariava o governo brasileiro e o americano: descer e explorar um rio, conhecido como Dúvida, na Amazônia, sem saber onde ele desaguaria, na única área do território nacional a qual o homem branco não havia ainda chegado.
- As autoridades ficaram preocupadas. Afinal, como você vai dar proteção ao ex-presidente dos EUA em um local que você não conhece? — comenta Mario Cesar.
Para Libânio, era um risco mas trazia prestígio para a iniciativa.
- Era a escolha certa naquele momento e eles se cercaram de uma equipe plural para a expedição. A região do rio da Dúvida era a última ainda inexplorada. Roosevelt queria ter esse mérito com ele.
No dia 12 de dezembro de 1913, as duas equipes encontraram-se pela primeira vez no rio Paraguai. Entre os americanos, além de Teddy, estava seu filho, Kermit Roosevelt, que já trabalhava no Brasil, o Padre Zahm, que sugeriu a viagem pela América do Sul, dois especialistas do Museu de História Natural, um explorador e dois secretários. A equipe brasileira contou com 18 membros, incluindo geólogo, timoneiro, remador, cozinheiro e até um guia indígena. Além de três cachorros: Trigueiro, Cartucho e Lobo.
- A equipe brasileira fez um trabalho minucioso e muito ligado ao pensamento da época. Rondon imaginava como aquela região poderia gerar riquezas para o Brasil. Em cada cachoeira encontrada era medida a força da água, porque pensava-se que dali seria possível gerar energia. Ele também acreditava que poderia achar minérios para ajudar a pagar a dívida externa brasileira — conta Mário César.
Do lado americano, os enviados do Museu de História Natural catalogavam e enviavam espécies para serem taxidermizadas em Nova York.
- Existe uma ideia equivocada que a expedição só foi benéfica para os americanos. Os dois lados saíram ganhando.
Doenças, insetos e caçadas
Durante a expedição, uma série de fatores dificultaram a viagem e, segundo depoimento do próprio Roosevelt no livro “Pelas selvas brasileiras”, entre animais como jacarés e insetos, os piores eram os menores.
“Os mosquitos e outras pragas noturnas representam o mais sério problema da viagem”, escreveu o ex-presidente.
Libânio relata um episódio contado em um livro de memórias de Rondon que mostra o motivo desta afirmação.
- Rondon narra que em uma noite, Roosevelt teve que sair escondido do acampamento para manter sua privacidade e prestígio, porque teve suas nádegas picadas por vários insetos durante o sono - conta.
Os insetos traziam também doenças. A malária, transmitida por mosquitos e provocada por um protozoário, é apontada como possível causa da morte de Roosevelt, cinco anos após a expedição. Rondon tinha um controle rígido para se prevenir da malária.
- Rondon tomava quinina em horários regulares e sempre antes de se alimentar. Na época, a quinina ainda não era uma substância conhecida ao ponto de se poder fazer esse tipo de uso - afirma Libânio.
A identificação das doenças também foi uma das propostas da expedição. A cada quilômetro percorrido, eram registradas as doenças que a equipe contraía e também aquelas que os habitantes possuíam.
Se os pequenos seres traziam grandes preocupações, o mesmo não pode ser dito dos animais de grande porte. Um dos principais desejos de Roosevelt era fazer uma caçada no Brasil. Em 18 de dezembro de 1913, o ex-presidente matou sua primeira onça: uma fêmea canguru-açu, maior que a pantera norte-americana e que o leopardo africano já conhecidos por Roosevelt.
No dia 27 de abril de 1914, o rio da Dúvida havia sido superado e a expedição estava em seus momentos finais. Rondon convocou os membros da equipe para anunciar que o curso de um rio desconhecido foi posto no mapa brasileiro e passaria a se chamar rio Roosevelt, como é conhecido até hoje.
- A expedição foi muito mais do que a descoberta de um rio. Foi o acúmulo de conhecimento de um local com etnias, espécies animais e fenômenos da natureza até então desconhecidos - afirma Mario Cesar.
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